As crianças ganham mais consciência do que já conquistaram
e do que ainda vão conquistar

A avaliação é fundamental em todo processo de ensino e aprendizagem, seja para sondar e ter um panorama do estado atual da turma (avaliação diagnóstica), para acompanhar constantemente os progressos e identificar o mais rápido possível as deficiências e adaptar as estratégias de ensino (avaliação formativa) ou para sistematizar um modelo quantificado de notas e ter bases para classificar estudantes em recuperação, aprovados e reprovados, que é o modelo mais comum nos sistemas de ensino (avaliação somativa).
Avaliar é um processo complexo e trabalhoso para quem está energizando o papel de educadora ou educador, mas ele pode chegar de forma mais leve para quem está no papel de estudante. Neste post eu vou relatar uma experiência de avaliação formativa por rubricas gamificadas em autoavaliação e deixar o link para baixar os arquivos que foram usados nesse processo.
Os games já possuem rubricas
Gamificar pode ser definido como um processo que “pega emprestado” elementos típicos de jogos para transportá-los em contextos de não-jogo. É muito comum ouvir falar de gamificação quando pontos, medalhas e ranking classificatório são utilizados, mas isso é muito restrito perto do que os jogos podem oferecer para aumentar o engajamento e melhorar a experiência no processo de ensino e aprendizagem. A vivência que tive quando testei gamificar uma rubrica de avaliação é um exemplo da exploração de dois aspectos essenciais dos games: senso de progresso e objetivos claros.
Os games já possuem suas rubricas e sistemas de avaliação que deixam explícitos o nível de progresso e as permissões do jogador. Fica muito claro, por exemplo, que você só poderá usar a magia de fogo quando obtiver 3000 pontos de experiência. A qualquer momento, você pode acionar um menu e olhar seu nível e conquistas para saber o que precisará fazer para avançar. Aqui, surge outro conceito importante na teoria dos jogos, o feedback imediato ou por demanda. A Rubrica Gamificada explorou essas ideias em um processo de avaliação formativa.
Os processos de ensino tradicionais geralmente acumulam o feedback de uma única vez e sob um único aspecto que é a tradução de um desempenho específico convertido em nota (avaliação somativa). Isso acontece em um período espaçado, o que também afeta a percepção de estar progredindo. A criança sabe que precisa atingir uma nota, mas nem sempre tem a clareza do que está em jogo na sua jornada de aprendizagem e porque ela precisa aprender isso.
A rubrica como forma de avaliação é uma estratégia para ampliar essa clareza da expectativa envolvida. Elas são o equivalente às condições para passar na fase do game, para aumentar de level, para conseguir aquele arco e flecha lendário, etc.
Contexto da Rubrica Gamificada
Em 2016, eu atuava na empresa Nave à Vela e um dos meus papéis era ser facilitador de atividades maker do curso Maker Lab, que consistia em atividades mão na massa semanais com duração de 1h30, destinadas a crianças de 9 a 11 anos de idade.
O Colégio Rainha da Paz, em São Paulo, foi um dos lugares em que aconteceram as aulas. A turma tinha 8 crianças e cada dia elas experimentavam coisas diferentes como fazer receita de massinha condutiva para esculpir animais que acediam LEDs, usar motor para impulsionar um peão dentro de um jogo, inventar catapultas para lançar bolinhas e derrubar uma torre de copos, etc.
O movimento Maker ganhava tração, mas ainda era palco de atividades avulsas sem uma estrutura progressiva arquitetada ou até mesmo sem muita consciência da camada pedagógica que poderia profissionalizar a ação educativa. Por esse motivo, nós tentamos sistematizar melhor o processo, estruturando o curso como uma sequência didática que visava construir um pensamento inventivo e experimentamos uma forma de avaliar o desempenho das crianças dentro das atividades.
Como fazer a sua Rubrica Gamificada em 4 etapas
Essa rubrica foi concebida e utilizada em um contexto de aulas mão na massa orientadas a projetos com protótipos físicos, mas a lógica dela pode ser aplicada a qualquer tipo de objetivo e abordagem pedagógica ou natureza do objetivo de conhecimento que seja foco do aprendizado.
Preparamos os arquivos para impressão neste link, mas se tiver papel e lápis você já consegue ter seu primeiro modelo de rubrica gamificada.
1 | Intencionalidade pedagógica e descritores
O primeiro a ser feito é definir quais são os objetivos da experiência de aprendizado. Qual é o estado final que se pretende atingir? Quais aspectos serão estimulados e observados para constatar que os objetivos de aprendizagem foram atingidos? A partir dessas perguntas, definimos as habilidades que seriam desenvolvidas ao longo da sequência didática do curso.
Para o curso Maker Lab, selecionamos e definimos 4 habilidades: 1. Confiança Inventiva Postura ativa em relação a inventar, modificar e propor mudanças nos protótipos construídos. Ação criativa naturalizada e confiante.
2. Confiança Construtiva
Destreza para cortar, colar, modificar materiais, furar peças, encaixar e fazer operações similares na produção de protótipos, tanto em processos guiados quanto autônomos.
3. Trabalho em grupo
Capacidade de colaborar com outras crianças, se responsabilizar pelo papel assumido e contribuir para a harmonia no convívio e para chegar ao objetivo estabelecido.
4. Atenção focada
Disciplina e autocontrole para capturar as instruções e informações relevantes para a aula. Postura focada, sem dispersar a atenção na aula ou nos processos durante a prototipagem.
Em seguida, definimos 3 descritores de comportamentos para representar os níveis de cada habilidade e dar clareza para as crianças sobre essa expectativa. Os descritores devem ser concretos a ponto de poderem ser observados durante as atividades. A tabela completa pode ser baixada na sessão de downloads gratuitos no site do Bu-Go:

2 | Adaptação da linguagem visual e textual
Pedir para uma criança dos anos iniciais do ensino fundamental responder em qual nível acha que se encontra em relação à abstração geométrica tridimensional, apropriação do uso de técnicas de modificação de materiais com ferramentas analógicas e grau de maturidade em relação à energização de papéis em um grupo, não parece uma boa ideia. Um descritor do tipo:
Frequentemente se dispersa ou precisa solicitar uma informação importante que foi passada e não prestou atenção. É comum precisar ser alertado para voltar à tarefa principal. Se distrai facilmente e tende a distrair os demais.
Pode chegar para a criança como:
- Não consegue prestar muita atenção na aula
- A professora ou professor precisa chamar a atenção várias vezes durante a aula
Além da linguagem textual, a forma como a avaliação é apresentada faz muita diferença na percepção das crianças. Escolhemos apresentar os níveis de habilidade em um gráfico de teia, como alguns jogos usam para mostrar rapidamente o status e os atributos dos personagens O diagrama também incluiu uma representação de avatar, desenhada pela própria criança. “Ah! que nem a imagem da capa deste post?” Isso!!!

3 | Explicação e preenchimento
Na quarta aula do curso, depois que já havia tido uma vivência mínima com as atividades, as crianças foram avisadas sobre o diagrama de teia e como tudo ia funcionar. Fizemos um combinado de que o diagrama era individual e não podia mostrar para ninguém e avisamos que teríamos 4 momentos para preencher o diagrama.
A tabela com as descrições simplificadas de cada nível de habilidade foi projetada na tela e eu lia cada uma delas. Quem se identificava com a descrição, fazia uma marcação no diagrama. O nível 1 fica mais próximo do centro e o nível 3, mais afastado. Por último, a criança conectava os pontos para formar um polígono, que deveria ser pintado. O objetivo era expandir cada vez mais a forma, o que indicaria a evolução das habilidades:

Essa é a folha que as crianças receberam:

O primeiro diagrama era totalmente preenchido pela autopercepção da criança. Na semana seguinte, a pessoa responsável pela turma também preenchia o que percebia de cada criança e depois sentava individualmente com elas para conversar sobre e conflitar as visões. O resultado seria um segundo diagrama preenchido pela criança. O propósito era chegar em uma fotografia mais realista, ou seja, contrapor a visão das crianças com dados reais observados durante as atividades.
Arrisco dizer que essa foi a parte mais interessante do processo. Uma das crianças mais inseguras e indisciplinadas do grupo, que até então não conseguia propor nada de novo nos protótipos e sempre dispersava a atenção durante a explicação, preencheu a Confiança Inventiva no nível máximo e a Atenção Focada no nível 2. Na conversa com ela, eu perguntei se ela acha que está no nível 2 mesmo e tentei lembrá-la de várias vezes que eu precisei chamar a atenção no meio da explicação e dos vários momentos que ela jogava coisas nos colegas.
O contrário também aconteceu. As habilidades foram subestimadas. Uma das crianças da turma tinha um repertório grande e conseguia construir todos os protótipos com certa facilidade. Nunca interrompia a explicação, mantinha o foco e ainda fazia perguntas muito relevantes. Apesar disso, colocou as suas habilidades no nível mínimo. Nesse caso era necessário trazer fatos para incentivar a criança a olhar para seus pontos fortes. “Você se lembra de alguma vez que eu precisei chamar a sua atenção por ter atrapalhado a aula?” “E teve alguma vez que você não conseguiu fazer um protótipo?” A imagem a seguir mostra um exemplo dessa comparação. Os dados são reais, mas os nomes das crianças foram alterados:

Boa tarde. Muito obrigado por compartilhar tanta experiência rica nesse post. Sugiro adicionar uma tag de "educação" ao final, já que o conteúdo pode interessar a muitos educadores.